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E se me quiser reformar aos 40 anos?

E se me quiser reformar aos 40 anos?

Os millennials estão a poupar para deixar de trabalhar cedo. O segredo está em seguir um estilo de vida frugal, mas em Portugal pode não ser suficiente

03.06.2019 | Por Cátia Mateus


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Prescindem de telemóveis topo de gama (a menos que sejam oferecidos pela empresa), trocam a viatura própria por transportes públicos, partilham habitação com amigos para poupar e reduzem os seus gastos diários ao mínimo indispensável. No imediato, não procuram o conforto mas a subsistência. São os ‘frugalistas’, profissionais da geração millennial (nascidos entre 1985 e 2000) que têm como propósito abandonar o mercado laboral aos 40 anos e viver da poupança acumulada durante os (poucos) anos de trabalho até à reforma. O movimento tem vindo a conquistar adeptos entre os americanos e australianos e está timidamente a chegar à Europa. Em Portugal, ainda que a moda pegasse seria difícil alcançar o nível de poupança necessário para a viabilizar. A pedido do Expresso, a consultora Mercer fez as contas: presumindo uma entrada no mercado de trabalho aos 22 anos, para abandonar a carreira aos 42, os profissionais portugueses teriam de poupar entre €617 mil e €1,1 milhões em 20 anos de carreira.
 
É a velha fábula da cigarra e da formiga, narrada por La Fontaine. A primeira saboreia a vida o mais que pode, enquanto a segunda está preocupada acumular mantimentos para os dias de inverno. Os adeptos do movimento americano FIRE — Financial independence, retire early (independência financeira, reforma precoce) defendem que se um profissional poupar 50% do seu salário líquido até aos 40 anos e realizar alguns investimentos, é possível abandonar definitivamente o mercado de trabalho nessa idade. As contas da Mercer demonstram que até mesmo para profissionais que atinjam cargos de topo logo nas fases iniciais da carreira e, consequentemente, uma valorização salarial acelerada nos primeiros 20 anos de profissão seria “inexequível abandonar o mercado de trabalho tão cedo, recorrendo apenas à poupança salarial acumulada durante os anos de trabalho”, explica Marta Frazão responsável pelas equipas de Consultoria e Crescimento da Mercer (consulting team leader & growth team).
 
Mas vamos a contas. Para perceber quanto teria de poupar alguém em Portugal que quisesse trabalhar apenas 20 anos e sobreviver sem qualquer remuneração até à idade da reforma, a Mercer considerou dois tipos de perfis: o de um licenciado que entrou no mercado de trabalho como técnico júnior e progride numa carreira de técnico, com um percurso de crescimento salarial moderado ao longo da carreira (6% nos primeiros oito anos descendo progressivamente até ao 4% entre os 35 e os 40 anos), e o de um high performer que entra no mercado de trabalho como técnico júnior mas que evoluiu para diretor de primeira linha aos 40 anos e, por isso, regista um percurso de crescimento salarial mais agressivo (12,5% nos primeiros oito anos e 8% entre os 35 e os 40 anos).
 
Em qualquer um dos casos, os profissionais entraram no mercado de trabalho aos 22 anos, com um salário-base mensal de €1250 e foi considerada a como idade normal de reforma (INR) os 70 anos. Para efeitos de IRS, a Mercer considerou as taxas aplicáveis a casados, dois titulares e um dependente e nos cálculos considerou uma taxa de inflação anual de  2% e uma taxa de rendimento de 4%. “Para obter uma taxa de rendimento médio de 4% é necessário alocar uma componente da carteira de ativos a ações”, realça Marta Frazão destacando a componente de risco associada.
 
Gastos ponderados ao cêntimo
No caso do perfil licenciado com progressão na carreira técnica, o exemplo mais comum, que saia do mercado aos 42 anos (com 20 de carreira contributiva) com um salário líquido mensal projeto à data de saída de €2163, considerando um objetivo de receber 85% do salário líquido até à idade da reforma e 75% do salário líquido a partir dessa idade, teria de juntar durante a carreira €617.188. Se o valor em si pode não lhe parecer elevado considerando o objetivo de viver sem trabalhar dos 42 aos 70 anos, talvez veja as coisa de outra forma se lhe dissermos que um valor desta natureza representaria uma poupança de 92% do salário líquido anual deste profissional. Se optasse por deixar o mundo laboral aos 52 anos, com um salário líquido mensal projetado de €2814 e os mesmos objetivos, teria de amealhar €506.960, o equivalente a uma percentagem anual de poupança do salário líquido de 36%.
 
E se pensa que a vida é muito mais fácil para quem ganha muito dinheiro e que só nesses casos seria possível deixar de trabalhar aos 42 anos, desengane-se. As contas da Mercer mostram que para um segundo cenário, o do profissional que alcança cedo uma carreira de topo e que regista um crescimento salarial mais agressivo, mesmo considerando objetivos mais moderados do que no cenário anterior (receber apenas 70% do salário líquido desde a saída do mercado até à data da reforma e 60% a partir dai), se abandonasse o mercado aos 42 anos com um salário líquido mensal projetado de €4673, teria de poupar 106% do seu salário líquido para conseguir subsistir. Ou seja, o seu salário líquido não seria suficiente para atingir os objetivos propostos. Com uma saída mais tardia, aos 52 anos, teria apenas de canalizar para a poupança 47% do seu rendimento.
 
Marta Frazão realça que os cálculos apresentados têm em conta a manutenção durante a inatividade de um patamar mensal de rendimento próximo da remuneração que o profissional obtinha no ativo. Isto porque, salienta, em decisões desta natureza é fundamental ter em conta que aos 42 anos, por mais contidos que sejamos nos gastos, “o  montante de encargos com habitação e educação dos dependentes é mais elevado do que em fases posteriores da vida”. 
 
São contas como estas que têm feito soar alarmes entre os especialistas não só nos Estados Unidos, onde o movimento FIRE foi criado, como na Europa com economistas e diretores de recursos humanos a classificarem a tendência de “perigosa” e a chamarem a atenção para o seu impacto no mercado de trabalho e nos sistemas de proteção social (ver texto ao lado). Marta Frazão acredita que o movimento poderá nunca se popularizar em Portugal, “a não ser que a opção seja ir para um país com um custo de vida inferior ao nosso, como fazem por cá centenas de estrangeiros”. A contas atuais, um português dificilmente se poderá dar ao luxo de ambicionar o ócio permanente aos 42 anos. 
 
Millennials lideram revolução cultural
 Sem fortuna familiar acumulada ou euromilhões no bolso, trabalhar durante 20 anos e “pedir a reforma” não estará, como mostram as contas, ao alcance de muitos millennials. Os especialistas reconhecem que dificilmente o movimento FIRE assumirá uma proporção de massas, mas a simples ideia de que a nova geração de profissionais possa querer testar este conceito já é suficiente para alarmar economistas e recrutadores. Em Portugal, os impactos para o mercado de trabalho e para a já débil situação da Segurança Social seriam desastrosos, admitem os especialistas ouvidos pelo Expresso. Mas que a forma como as novas gerações encaram o trabalho está a mudar, disso não restam dúvidas.
 
Carlos Sezões, sócio da empresa de executive search Stanton Chase, assume a sua condição de cético. Não acredita na hipótese de generalização desta prática no mercado de trabalho que, refere, “parece exequível apenas para uma pequena percentagem de profissionais, um nicho com elevados níveis de formação, em posições profissionais de topo e bom acesso a informação”. Tal como a especialista da Mercer, Marta Frazão, defende que “só profissionais que capitalizem e poupem elevados níveis de rendimentos poderão assumir a decisão de não trabalhar de todo, vivendo do acumulado ou de rendas de ativos (como os imobiliários)”.  
“Efeitos desastrosos”
 
Porém, admitindo “num puro exercício”, que a generalização deste movimento ocorria, Carlos Sezões não tem dúvidas de que “teríamos em mãos, num curto/médio prazo, um desequilíbrio enorme de défice de capital humano, na maioria dos sectores de atividade, com efeitos desastrosos na economia e na sociedade”. Seria terrível para a sustentabilidade da Segurança Social onde “as variáveis da demografia e da economia já indiciam insustentabilidade no espaço temporal de uma década”, relembra. 
 
Apesar do ceticismo de Marta Frazão e de Carlos Sezões, nenhum dos especialistas têm dúvidas de que a geração millennial está a fomentar uma revolução no mercado de trabalho e nas empresas. “Apesar do modus operandi deste movimento me parecer desenquadrado da realidade, pouco exequível e até insustentável perante a crescente longevidade dos seres humanos, os seus princípios estão alinhados com os valores das novas gerações”, diz Carlos Sezões.
 
Os millennial procuram uma vida com propósito, significado e prazer, conjugando vida profissional e pessoal, sem adiar a gratificação e a recompensa, como era prática das gerações anteriores que trabalhavam arduamente 40 anos para depois gozar a reforma. “Acredito que esta forma de estar se vai materializar em períodos sabáticos numerosos para dedicação à família, viagens, voluntariado ou projetos educativos”, defende Carlos Sezões. As horas de trabalho semanais também poderão reduzir e o trabalho flexível deverá aumentar. Mudanças que, reconhece Marta Frazão, obrigarão a uma adaptação das empresas, nomeadamente na gestão de planos de sucessão “que terão de ser pensados mais precocemente e de forma mais ágil”. 


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